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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O Dia em que vi Deus



Natal é a "despapainoelização" do espírito. É quando o coração torna-se manjedoura e, aberto ao outro, acolhe, abraça, acarinha. Violenta-se quem faz da festa do Menino Jesus uma troca insana de mercadorias. Quantas ausências nesses presentes!

Em pleno verão, nos trópicos, o corpo empanturra-se de nozes e castanhas, vinhos e carnes gordas, sem que se faça presente junto àqueles que, caídos à beira do caminho, aguardam um gesto samaritano.


Criança em Minas, aprendi com meus pais a depositar junto ao presépio a lista de meus sonhos. Nada de pedidos a Papai Noel. No decorrer do Advento, eu engordava a lista: a cura de um parente enfermo; um emprego para o filho da lavadeira; a paz no mundo.

Meu pai insistia para que eu registrasse meus sonhos mais íntimos. Aos oito anos, escrevi: "Quero ver Deus". Minha mãe ponderou: "Não basta Nossa Senhora, como as crianças de Fátima?" Não, eu queria ver Deus Pai. Nem imagens dele eu encontrava nas igrejas, que exibem, de sobejo, ícones de Jesus e pombas que evocam o Espírito Santo.

Na tarde de 25 de dezembro, meus pais levaram-me a um hospital pediátrico. Distribuímos alegria e chocolate às crianças, vítimas de traumas ou tomadas pelo câncer e outras enfermidades. Fiquei muito impressionado com um menino de 6 anos, careca.

Na saída, mamãe indagou-me: "Gostou de ver Deus?" Fiquei confuso: "Só vi crianças doentes", respondi. Então ela me ensinou que a fé cristã reconhece que todos os seres humanos são imagens e semelhanças de Deus. Por isso é tão difícil ver Deus. Pois não é fácil encarar a radical sacralidade de todo homem e de toda mulher.

Aos poucos, entendi que o modo de comemorar o Natal forma filhos consumistas ou altruístas. E descobri que Deus é tanto mais invisível quanto mais esperamos que Ele entre pela porta da frente. Sorrateiro, Ele chega pelos fundos, via um sem-terra chamado Abraão; um revolucionário de nome Moisés; um músico com fama de agitador, Davi; uma prostituta, Raab; um subversivo conhecido por Jeremias; um alucinado, Daniel; um casal de artesãos que, recusado em Belém, ocupa um pasto para trazer o Filho à vida: Maria e José.

No evangelho de Mateus (25, 31-46), Jesus identifica-se com quem tem fome e sede, é doente ou prisioneiro, oprimido ou excluído. Aqueles que para os "sábios" são a escória da sociedade, para Deus são os convidados ao banquete do Reino.

Desde então, aprendi que Natal é todo dia, basta abrir-se ao outro e à estrela que, acima das mazelas deste mundo, acende a esperança de um futuro melhor. Sonhar com um mundo em que o Pai Nosso transpareça na grande festa do pão nosso. Pois quem reparte o pão, partilha Deus.



Autor: Frei Betto - religioso, assessor de movimentos sociais e pastorais.


Colaboração: Irm. MI Antonio Nuno Pereira de Vilhena - Past Master da A.R.L.S. "Duque de Caxias" IX Nº 2198, Or. de Belém/PA.

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